quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Ansiedade

1.3 A fisiologia da ansiedade: compreendendo melhor o seu corpo

Todo mundo já passou, pelos mais variados motivos, por situações que provocam certo grau de ansiedade: sentar-se para responder a uma prova difícil na escola ou a um questionário de admissão num emprego muito desejado; pensar que seu pai (ou seu filho) hospitalizado pode morrer a qualquer momento; imaginar o risco de ficar desempregado etc. Nessas ocasiões é muito natural ter taquicardia, sudorese, sensações de falta de ar etc. Mas raramente consideramos que também fazem parte da reação de ansiedade sensações de engasgo, sufocamento, dor no peito, visão desfocada, dormência ou formigamento nas extremidades do corpo, tonteira repentina, músculos tensos e endurecidos (das costas e do pescoço), ânsia de vômito, desconforto abdominal e outras.

Por conseguinte, quando um individuo não acha uma explicação razoável para estas sensações “estranhas” e impressiona-se com elas, considerando-as ameaçadoras á sua sobrevivência, acaba por amplificá-las, podendo ter um ataque de pânico. Contudo, já vimos que, apesar de assustadora, elas nada mais são do que a própria ansiedade ocorrendo. Vamos nos dedicar agora a compreender melhor este mecanismo fisiológico.

A ansiedade é uma resposta fisiológica do organismo a algum estimulo considerado ameaçador, seja, é uma reação automática, necessária e imediata ao perigo. Alguns pesquisadores definem a ansiedade como uma reação de emergência, chamando-a de luta- ou- fuga. Dessa forma, ela serve para preparar o individuo para lutar ou fugir de uma potencial situação de risco iminente. Assim, de alguma maneira, a ansiedade serve para a proteção do organismo e para a sua preservação da vida.

Duas Selvas

É possível dizer que esta reação de ansiedade imediata é uma herança dos nossos ancestrais, os homens das cavernas. Pensem o que teria sido deles diante de enormes mamíferos pré- históricos se não possuem uma capacidade automática de preparação do organismo para se defenderem. As ações imediatas de lutar ou fugir foram muito uteis á perpetuação da nossa espécie.

De alguma maneira, a “selva” das cidades contemporâneas tem a ver com as selvas e as cavernas de nossos antepassados. Por exemplo, você pode estar parado numa esquina e perceber que um carro vem rapidamente em sua direção; ou estar numa festa de fim de ano e reparar que certos fogos de artifícios começaram a estourar muito próximos a você. Nestes dois casos, torna-se fundamental que você aja de forma rápida e eficiente para se poupar de qualquer agressão externa. Não apresentar prontamente uma reação de ansiedade nesse momento, buscando proteger-se diante do imprevisto, poderia ocasionar-lhe um dano físico e ou até levá-lo (a) á morte. O mais natural é que você se afaste logo, abrigando-se em um lugar seguro ou correndo para bem longe dali.

Conclusão: a ansiedade existe essencialmente para a sua proteção, para permitir que você se defenda e não para prejudicá-lo (a). A grande questão a ser como utilizar o equilíbrio esse potencial de defesa que, se exagerado ou mal canalizado, costuma atrapalhar ao invés de ajudar.

 Sistemas fisiológicos de defesa e restauração do organismo

A presença de alguma forma de perigo pode ser percebida muito rapidamente. Em milésimos de segundo o cérebro envia mensagens ao sistema nervoso autônomo. Este sistema, como o próprio nome já diz, funciona de forma independente da nossa vontade, ativando batimentos cardíacos, provocando variações no ritmo respiratório, regulando a digestão de alimentos etc. Apesar de não determinar o seu funcionamento, nós o influenciamos diretamente através de nossas interpretações da realidade, respiração, da movimentação corporal e da introdução de substâncias no organismo (medicamentos, alimentos, drogas e outros).

Ele se subdivide em dois ramos: o sistema nervoso autonômico parassimpático. Estes dois subsistemas estão relacionados ao controle da energia existente no corpo e ao ajuste deste para uma resposta adequada á situação presente, seja ela perigosa ou pacifica. O sistema nervoso simpático é o responsável pela reação de luta- e – fuga que libera energia e prepara o corpo para a reação em face de qualquer ameaça. Já o parassimpático faz com que o corpo volte ao seu estado normal, sua energia e relaxando-o.

O sistema nervoso simpático tende a ser bastante radical, ou seja, quando acionado, todas as suas possibilidades de reação são ativadas. É difícil acontecerem mudanças em apenas uma parte do corpo. Talvez por isso os ataques de pânico envolvam tantos sintomas diferentes. Para exercer suas funções, o sistema nervoso simpático libera no organismo a adrenalina e a noradrenalina- substância química fabricadas fundamentalmente pelas glândulas supra- renais – as quais são utilizadas para dar continuidade ao seu funcionamento. Uma vez ativadas as suas manifestações, elas podem se manter e aumentar de intensidade durante certo tempo, até esboçarmos uma reação de defasa.

Mas atenção! As atividades do sistema nervoso simpático poderão ser interrompidas de duas formas: ou através da destruição das substancias - mensageiras (adrenalina e noradrenalina) por outras sustâncias do corpo, por ativação do sistema nervoso parassimpático, que libera os neurotransmissores endorfina, ocitocina, dopamina e serotonina, cujos efeitos são contrários aos anteriores provocados, restaurados o organismo e produzindo uma sensação de relaxamento.

Isso significa que, em algum momento, após um “perigo” potencial não ter se confirmado, mesmo que nós não ativemos voluntariamente o sistema nervoso parassimpático através de nossos pensamentos ou respiração, o próprio corpo se cansará da reação luta- e- fuga e o ativará, a fim de voltarmos a ficar relaxados. Nesse cenário, o sistema nervoso parassimpático age como um protetor interno, inibindo o sistema nervoso simpático e automaticamente impedindo a ansiedade atingir níveis prejudiciais.

Outro aspecto interessante é o fato de a adrenalina e a noradrenalina levarem algum tempo para serem destruídas. Desse modo, mesmo depois de passar o perigo, você ainda pode ficar alerta e apreensivo (a) por algum tempo, pois as substâncias ainda estão “flutuando” dentro de seu organismo. Isto é absolutamente natural e não significa desequilíbrio nem perigo.

Este fenômeno também tem a ver com os nossos ancestrais que, num ambiente selvagem e na eventualidade de o perigo retornar, necessitavam já estar com o organismo razoavelmente preparado para, de forma rápida, acionar a reação de luta-e- fuga. No nosso caso, o mesmo mecanismo está valendo, pois precisamos estar com o corpo ainda em alerta para podermos garantir que o recente inimigo não nos pegue desprevenidos.

Compreendendo melhor a reação de defesa do organismo

Partindo na noção de que a ativação do sistema nervoso autônomo simpático tem o propósito de defender o seu organismo, será mais fácil compreender seus efeitos e por que eles são necessários ao invés de perigosos. Veja bem, ao observamos o coração em momentos de alta ansiedade ou pânico, percebemos que ele aumente a freqüência de seus batimentos e também de sua força. Este acontecimento internos tem seus motivos, dentre eles, ajuda a tornar mais veloz a circulação sanguínea, melhora a distribuição de oxigênio e nutrientes nos tecidos e a remoção das substâncias que não são uteis a eles. Apesar de ás vezes sentimos nosso coração quase “saltando pela boca” e isto ser muito desagradável em certas ocasiões, esclarecemos que o fato não é perigoso. Relembre o resultado de seus exames cardíacos e, caso estejam normais, tranqüilize-se.

Nesse cenário, também ocorre redirecionamento do fluxo de sangue, que costuma ser reduzido nas partes do corpo onde ele não é tão essencial naquele momento e intensificando onde ele é mais necessário (através do estreitamento do diâmetro dos vasos sanguíneos). Por exemplo, o fluxo de sangue diminui na pele e nos dedos das mãos e dos pés, numa espécie de “prudência” do organismo, pois se a pessoa for atacada ou ferida, não morrerá de hemorragia. Este fluxo reduzido nas extremidades do corpo pode deixá-lo (a) com a pele pálida, as mãos frias ou com dormências e formigamentos. Se considerarmos as regiões que recebem mais sangue, como no caso dos grandes músculos (coxas, bíceps, trapézio), você poderá experimentar tensões e enrijecimentos, o que apenas está garantindo que seu corpo esteja tonificado e preparado para agir. É esperando que estas sensações não sejam consideradas agradáveis, contudo, não se faz necessário preocupar-se com elas, já que o seu organismo está apenas se preparando para defendê-lo.

Esta reação de defesa também tem a ver com o aumento da velocidade e da superficialidade respiratória. A mudança na respiração permite uma rápida troca gasosa do corpo com o meio, inspirando grandes quantidades de oxigênio (O2) e expirando alta dose de dióxido de carbono (CO2). É valido dizer que para nós, seres humanos, o oxigênio é o gás da vida e da ação e que sem ele apagamos como uma vela acesa ao ser coberta por um copo de vidro. Portanto, para reagirmos a um perigo, nossos tecidos precisam de oxigênio. Por outro lado, o produto CO2 deve ser eliminado e a sua redução no organismo sinaliza que estamos reagindo a um “perigo”. Porém, como quase como quase tudo na fisiologia, este aspecto tem outro lado: o aumento da freqüência respiratória pode resultar em sensações de falta de ar, engasgo, sufocamento, além de dores e pressões no peito em função de exigência interna de mais oxigênio, sensações estas que- afirmamos mais uma vez- assustam, mas não oferecem risco á sobrevivência.

Outro acontecimento interessante é o “aumento do fluxo de sangue em certas partes do cérebro e sua diminuição em outras”. Nesta região do corpo também se mantém um leve aumento do nível de O2 e uma baixa no CO2, o que altera o pH cerebral, resultando na manutenção do estado de alerta. Em contrapartida, este fenômeno para efeitos desagradáveis, como tonteiras, visão embaçada, sensações de confusão e fuga da realidade. É sempre bom repetir: essas sensações vêm e passam, sem prejudicar a saúde.

A ativação do esquema luta- e- fuga aumentam a transpiração. Vem á tona outra vez o nosso parentesco com os homens pré- históricos: uma pele escorregadia e úmida dificulta sermos agarrada pelo predador. Além disso, o suor ajuda a evitar excesso de aquecimento corporal, resfriando-nos. Como resultado de um metabolismo corporal ativado, é comum que surjam ondas de frio ou calor, que visam regular a temperatura do organismo e que, acima de tudo, despendem muita energia. É bastante natural que aquele que experimenta essas sensações sinta-se geralmente cansado (a) e esgotado (a).

A ativação do sistema nervoso simpático produz muitos outros efeitos, todos inofensivos: as pupilas dilatam para que a luz ente mais intensamente no sistema ocular, o que pode resultar em uma visão borrada, com manchas na frente dos olhos; há uma redução na produção de saliva, e a boca costuma ficar seca; diminui a atividade do sistema digestivo, o que geralmente produz náuseas, uma sensação de peso no estomago e também diarréia; finalmente, vários grupos de músculos tencionam, ficando todos prontos para que o indivíduo possa lutar ou fugir. Apesar de desconfortável, imagine se você tivesse que sair correndo para fugir de um agressor e seu corpo estivesse inteiramente relaxado! Impossível, não é mesmo? Daí os sintomas de enrijecimento muscular, provocando dores e tremores em muitas ocasiões.

Atitudes que vão da agitação de mãos e pés até o balançar do corpo e o insulto dirigido a alguém que esteja incomodado, assim como pensamentos de sair absolutamente naturais numa situação de ansiedade, pois o nosso corpo está preparado para lutar ou fugir. No entanto, num ambiente social, nem sempre podemos fazer o que temos vontade.

Outra conseqüência desta reação de luta- e- fuga é o fato de o organismo desenvolver a atenção para pesquisar ambientes em busca de ameaças em potencial. Por este motivo, a pessoa ansiosa passa a ter mais facilidade para se distrair e mais dificuldade para se concentrar em tarefas diárias, podendo inclusive ter a sensação de que está com problemas de memória.

Realmente, quando uma pessoa não acha uma explicação razoável para todas essas sensações e, ainda por cima associa a idéias de perigo, é bem provável que fique com muito assustada. Uma idéia freqüente pode ser: “se não encontro nada lá fora de mim para justificar o meu nervosismo, deve haver então algo de errado dento de mim”.

Para piorar a historia, a pessoa procura médicos e eles dizem que não há nada apesar de suas fortes sensações, essa pessoa acaba acreditando que deve estar com algo muito mais grave inteiramente e que ainda não foi descoberto. Nesse caso, o caminho mais provável é imaginar que: “devo estar morrendo, perdendo o controle total ou ficando louco (a)”. Estes pensamentos seguem certa lógica e acaba por se tornar uma péssima explicação, porém aceitável para quem experimenta o problema, o que contribui para a manutenção do medo, da ansiedade, das evitações e das peregrinações por hospitais.

Entretanto, é possível saber exatamente o que está acontecendo com seu organismo baseando-se em evidências cientificas, como você acabou de fazer ao ler este texto. Isso lhe ajuda a compreender suas sensações e a ficar mais tranqüilo (a) em relação a elas. Existe uma explicação fisiológica para tudo isto e, agora, fundamentada em fatos científicos. Quando você está ansioso, seu organismo realmente se modifica por inteiro, mas com o único propósito de prepará-lo para defender-se de qualquer perigo; jamais para prejudicá-lo. Seria um contra- senso de a natureza desenvolver, ao longo da evolução, uma reação tão sofisticada de proteção se esta mesma reação nos causasse mal.

Até aqui foi apresentado por que e para que se experimenta o mecanismo de ansiedade e como este revela ser uma manifestação do seu sistema de defesa, ativado como um todo e capaz de provocar variadas sensações. Paralelamente, você também pôde compreender a atuação do seu sistema de restauração, capaz de provocar uma normalização das funções fisiológicas e uma sensação de relaxamento. A partir da próxima leitura, você poderá como seus pensamentos são poderosos no processo de ativação tanto da ansiedade, quanto do relaxamento e compreenderá por que, efetivamente, não há perigo de experimentar tais sensações.





Iliana Lessa Jatobá

Psicóloga

CRP 15/2297

Nenhum comentário:

Postar um comentário